Quarta-feira

VALOR ECONÔMICO

Prazo menor para assinatura de contratos coloca em risco a faixa 1 do "Minha Casa"

Portaria editada pelo ministro das Cidades, Alexandre Baldy, reduziu para 30 dias o prazo para assinatura de contratos com construtoras selecionadas, o que poderá, segundo fontes ouvidas pelo Valor, colocar em risco a contratação de mais de 50 mil unidades de menor renda do programa Minha Casa Minha Vida neste ano. Antes esse prazo terminaria em meados de maio.

O Ministério das Cidades informou, por meio de sua assessoria, que "analisará o cenário no decorrer dos 30 dias fixados", sinalizando que, se for preciso, essa data pode ser alterada. Além disso, explicou que "a mudança no prazo de entrega de projetos selecionados foi feita devido a necessidade de contratação mais célere para fomentar a geração de empregos". Segundo o ministério, não houve alteração na portaria que estabelece os critérios de enquadramento e seleção.

"O prazo foi fixado de forma a possibilitar que as empresas com projetos com maior grau de maturidade contratem a produção dos empreendimentos, consequente geração de empregos e aquecimento da economia", informou. A seleção dos projetos do faixa 1 do MCMV, que atende famílias com renda mensal até R$ 1,8 mil, foi apresentada em novembro pelo ex-ministro Bruno Araújo (PSDB-PE).

A contratação de 54.089 unidades habitacionais tem o objetivo de atender 337 municípios e envolve investimentos de R$ 6,31 bilhões. Na ocasião, os critérios para escolha dos municípios foram questionados por partidos do Centrão (PP, PR, PSD e PRB). A avaliação era de que beneficiaria, principalmente, o reduto dos tucanos. O Ministério das Cidades defendia que os critérios eram técnicos para atender as cidades com déficit habitacional maior. Diante do impasse político, a expectativa era de que a primeira medida de Baldy ao assumir o cargo fosse a revogação da seleção feita.

O atual ministro não reverteu a medida, mas, segundo o Valor apurou, ao reduzir o prazo vai impossibilitar a contratação ou seja, na prática, a portaria anterior está sendo revogada. Publicada segunda-feira no "Diário Oficial da União" (DOU), a portaria nº 14 do ministério estabeleceu o prazo de 30 dias, contados a partir do dia 5 de janeiro, para a contratação dos empreendimentos. Pela regra anterior, o prazo era de até 180 dias. Como começou a ser contado a partir de novembro, as companhias teriam até meados de maio.

 

Fundador da MRV defende pacto de união pelo Brasil

O empresário Rubens Menin, fundador da incorporadora de imóveis mineira MRV Engenharia e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), mostra otimismo em relação ao país neste ano, mesmo diante de um cenário de incertezas no campo político.

Menin aponta como uma das razões o fato de o país ter terminado 2017 com inflação abaixo da meta oficial e taxa básica de juros de 7%. Ao mesmo tempo, o empresário avalia que há dois cenários possíveis para 2018 - o de um país dividido, que já se observa atualmente, e o de um Brasil unido. "Espero que a sociedade se una, de fato, como nação, pelo Brasil que queremos. É preciso haver consenso, transformar o país em nação", disse, em entrevista ao Valor, em São Paulo.

Para Menin, se a queda da inflação, que possibilitou a redução dos juros, foi "o fator mais positivo", a melhor notícia" de 2017, a pior foram as denúncias feitas pelo empresário Joesley Batista, envolvendo o nome do presidente da República, Michel Temer. "Toda denúncia tem de ser apurada, mas o que mais me chateou foi a forma como a situação aconteceu", diz, acrescentando que uma das consequências foi a não aprovação da reforma da Previdência.

"Economicamente, o governo Temer está indo muito bem. As medidas tomadas foram acertadas. Politicamente, as pesquisas mostram que o governo não é muito popular", diz. Menin considera que a reforma da Previdência pode ser aprovada no início deste ano. "Se isso ocorrer, teremos mais estabilidade econômica, o risco Brasil melhora e a segurança para os investidores aumenta", ressalta. Ele espera que as eleições presidenciais de 2018 sejam vencidas "por um candidato que pregue a união", mas diz que ainda não surgiu um nome para isso. "Precisamos de um pacto nacional, acabar com brigas de classes e de setores. A história já provou que só se faz união com justiça."

Menin afirma que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), são nomes "muito extremados". "O país tem de ter um lado só", diz. Na avaliação do principal acionista da MRV, há hoje "dois Brasis" no Brasil: "o país que não queremos, de corrupção e privilégios, e o outro, com ética e menos burocrático". Para o empresário é muito importante renovação do Congresso Nacional, novos pactos sociais e controle fiscal. A população quer o "novo diferente", segundo ele, e "os partidos velhos estão no descrédito". "Quando houver sinal de um padrão mínimo, os investidores externos voltarão para o Brasil", diz, ressaltando que os empresários têm importante papel para o avanço do país.

"O momento não permite mais que sejamos omissos. De quem é a culpa: do vendedor da banca de revistas ou nossa?", questiona. Pouco antes do fim do ano, Menin trabalhava com a expectativa de aumento de 1% do PIB em 2017, com tendência de alcançar 3% em 2018. "O país tem grande potencial de crescimento, até porque estamos saindo de uma base muito baixa. O setor de agronegócios é uma boa âncora, e os setores de petróleo e construção estão sendo retomados". Ele pondera que o expansão do país, no longo prazo, depende de "uma infraestrutura grande".

Sobre o mercado imobiliário, o empresário e presidente da Abrainc avalia que os principais desafios são a necessidade de regulamentação dos cancelamentos de vendas - os chamados distratos -, equacionamento dos problemas de capital da Caixa Econômica Federal e das fontes de financiamento imobiliário. "A LIG [Letra Imobiliária Garantida] precisa começar a funcionar. Espero que a normatização saia nos dois primeiros meses do ano", afirmou. A questão do crédito habitacional é fundamental para o setor de incorporação.

Nos dois últimos anos, a mineira MRV - fundada por Menin e sócios em 1979 -, principal operadora do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, tornou-se também a maior incorporadora brasileira de capital aberto nos critérios de lançamentos, vendas e receita. De janeiro a setembro de 2017, a MRV teve receita líquida de R$ 3,33 bilhões.

A empresa projeta lançamentos e vendas brutas de 50 mil unidades residenciais neste ano. A retomada do mercado imobiliário, que passou os últimos anos em crise, já começou, na opinião do empresário. "Isso é irreversível." Segundo ele, 2018 será "muito melhor" do que o ano passado em lançamentos, vendas e crédito.

 

BC estuda reduzir circulação de dinheiro

Em meio a discussões sobre o quórum para aprovação da reforma da Previdência e sobre a inflação de 2017 ter ficado abaixo da meta, uma declaração importante do presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, passou praticamente despercebida em meados do mês passado. Ilan disse que o BC criou um grupo de estudos para reformar o mercado de cartões de débito com medidas que estimulem seu uso e que reduzam o custo aos lojistas. "É um instrumento que pode economizar meios de pagamento em espécie."

A declaração é a ponta do iceberg de um projeto bem mais profundo: a redução da circulação de dinheiro em espécie no Brasil, com consequente aumento das transações eletrônicas, especialmente de cartões e aplicativos de smartphones. O caminho vem sendo trilhado por países como Suécia, Dinamarca, Coreia do Sul e Índia, cada um deles com características, implantação e resultados próprios. Procurado, o BC confirmou que o tema está em avaliação, "ainda em estágio inicial".

O executivo de uma instituição financeira, entretanto, diz que ouviu do próprio Ilan que esse será um de seus projetos prioritários em 2018. A expectativa é de que, com menos dinheiro em circulação, amplie-se a bancarização, reduza-se a informalidade (com consequente aumento da arrecadação) e se dificulte a corrupção e o crime.

Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, o tema é fascinante. "Algum dia todos terão acesso a uma moeda remunerada, segura, de amplo acesso. Mas o processo será lento e levará em conta custos de infraestrutura e de conexões individuais."

Segundo ele, ao longo do caminho, o uso do papel moeda diminuirá, mas não desaparecerá da noite para o dia. A tarefa do governo não será fácil. Um dos grandes desafios é justamente a redução dos custos de transação, especialmente de infraestrutura tecnológica, para baratear as transações eletrônicas de pequenas somas. Há ainda que se fazer uma integração entre as chamadas "contas pagamento" - usadas em pagamentos via celular, por exemplo - e as contas correntes.

 O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e pesquisador do Centro de Microfinanças e Inclusão Financeira Eduardo Diniz diz que há ainda um desafio geracional, já que pessoas mais velhas muitas vezes têm dificuldades com senhas e cartões ou ainda ficam inseguras de fazer pagamento via internet ou celular. "Mas o BC está no caminho certo porque pessoas mais jovens, mesmo as de menor poder aquisitivo, não têm problema com isso", afirma.

A maneira mais eficiente de incentivar a migração do dinheiro em espécie para os cartões de débito, na avaliação do professor, é ganhar a adesão dos comerciantes a partir da redução do custo do cartão. "As taxas são muito altas. Não faz sentido cobrar um percentual da compra em um transação no cartão de débito. O custo tem que ser fixo." Parece ser exatamente esse o ponto de partida do BC.

No livro "The curse of Cash" ("A Maldição do Dinheiro", disponível apenas em português de Portugal), o economista Kenneth Rogoff, ex-economistachefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e forte defensor da redução de impressão de dinheiro, diz que qualquer plano para reduzir drasticamente o uso do papel-moeda precisa oferecer contas de cartão de débito "fortemente subsidiadas, contas básicas de cartão de débito para indivíduos de baixa renda e, talvez, smartphones básicos".

Os bancos veem com bons olhos um projeto para redução da circulação de dinheiro em espécie no Brasil, mesmo que isso signifique que terão de reduzir suas taxas no débito. Em contrapartida, ganharão com a redução dos custos de transporte de dinheiro, a segurança (os ataques a caixas eletrônicos estão cada vez mais violentos) e a maior bancarização, com consequente oportunidade de oferta de produtos bancários.

Pelo lado do governo, a medida também é bem vista. Gera maior controle sobre as operações, reduz custos com emissão de papel-moeda, combate a informalidade e pode significar aumento na arrecadação. Proposta de agosto do ano passado da Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços) indica que é possível incrementar em 7,3% a arrecadação federal apenas com o incentivo ao uso dos meios eletrônicos de pagamento.

 

Banco Mundial eleva previsão para PIB global e vê 'inflexão' em 2018

O ano de 2018 deve ser o primeiro desde a crise financeira em que a economia global vai operar em capacidade total ou quase total. Este ano será um "ponto de inflexão" na economia global, segundo o relatório "Global Economic Prospects", divulgado ontem pelo Banco Mundial.

Será a primeira vez desde 2008 que a capacidade ociosa da economia deve se aproximar de zero nos mercados emergentes e nas economias em desenvolvimento (EMDEs na sigla em inglês) graças à recente recuperação nos preços das commodities e ao bom desempenho dos países ricos.

A crise financeira de 2008 deixou grande ociosidade na capacidade produtiva da economia global, que começou a se reduzir em 2015. Este ano, essa ociosidade deve ser zerada, ressaltou o texto, o que permitirá a normalização da política monetária, após uma década de taxas de juro muito baixas e programas de estímulo - em especial nos países desenvolvidos.

A economia mundial deve crescer 3,1% neste ano, após expansão prevista de 3% em 2017, com destaque para contínua recuperação dos emergentes, que devem crescer 4,5% neste ano. As economias mais ricas vão moderar o crescimento em 2018. EUA, Japão e os 19 países que formam a zona do euro crescerão 2,2%. O Brasil deve crescer 2% neste ano, prevê o banco, o dobro da estimativa de 1% para 2017.

Com uma folga na economia prestes a diminuir, a entidade ressaltou, os formuladores de políticas terão de ir além dos instrumentos de políticas monetárias e fiscais para estimular o crescimento no curto prazo e impulsionar crescimento potencial de longo prazo. "É uma excelente oportunidade para investir no capital humano e físico. Se os formuladores de políticas no mundo inteiro focarem nesses investimentos fundamentais poderão aumentar a produtividade dos seus respectivos países, impulsionar a participação da força de trabalho e se aproximar das metas de erradicação da pobreza extrema e promoção da prosperidade compartilhada", disse Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, no relatório.

Shantayanan Devarajan, diretor sênior de economias em desenvolvimento do Banco Mundial, afirmou ainda que "as reformas que promovem educação e saúde de qualidade, bem como melhoram os serviços de infraestrutura, podem impulsionar substancialmente o crescimento potencial". O relatório alertou que, apesar da aceleração recente da atividade econômica global, o crescimento potencial está diminuindo. Se no período entre 2013 e 2017 o crescimento potencial ficou em 2,5%, hoje está 0,5 ponto percentual abaixo de sua média de longo prazo e 0,9 ponto percentual abaixo da sua média há uma década.

Essa redução, observou o Banco Mundial, reflete uma menor acumulação de capital nas economias avançadas em consequência da crise de 2008, desaceleração na produtividade e envelhecimento da força de trabalho. O relatório afirmou ainda que os riscos para a perspectiva global permanecem inclinados a uma desaceleração. "Um repentino aperto nas condições financeiras globais pode tirar a expansão dos trilhos", disse o Banco Mundial. Além disso, uma escalada nas restrições ao comércio global e o aumento na tensão geopolítica também podem esfriar a confiança e a atividade.

 

"Lula é um mediador, está longe de ser um radical", diz Belluzzo

Luiz Gonzaga Belluzzo olha para 2018 com pessimismo. Em ano de eleições, não vê nenhuma perspectiva de que o debate público saia da obsessão pelo curto prazo, o que, para ele, é "aflitivo". Consultor pessoal de economia durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Belluzzo tem participado das discussões em torno da candidatura do petista, mas mostra preocupação com sua viabilidade. "O maior risco para o clima das eleições é não deixar Lula concorrer. Vai aumentar a virulência do debate nas redes sociais e nas ruas", diz.

Doutor em economia pela Unicamp e fundador da Faculdades de Campinas (Facamp), ele admite, porém, que a reação à eventual vitória do petista também seria virulenta: "O clima hoje não é o de 2002/2006. Há clima social típico de uma sociedade dilacerada". Avesso às redes sociais - a única da qual o ex-presidente do Palmeiras é adepto é o WhatsApp - ele reafirma que, se eleito, Lula se manteria fiel ao seu estilo conciliador, que agregava agendas do mercado e políticas sociais, e escolheria para ministro da Fazenda alguém capaz de dialogar com o empresariado.

Interlocutor frequente também do senador José Serra (PSDB), de quem é amigo, Belluzzo acredita que uma aproximação entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, nunca bem-sucedida devido a "amarras partidárias", poderia ter impedido que o país chegasse hoje ao que ele chama de "anomia social".

O tom de beligerância no debate político atual preocupa o professor, que vê na intolerância o reflexo do histórico abismo da desigualdade social, que se reflete também na escalada da violência urbana. "Alguém acha que resolve a criminalidade só com a polícia? É preciso dar segurança econômica às pessoas". O economista não descarta, mantida a tendência, o risco de que a sociedade opte no futuro por soluções autoritárias.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Há esperança de as coisas melhorarem em 2018?

Luiz Gonzaga Belluzzo: O debate político em curso sugere que não há mediação democrática entre os dois polos que estão se formando. Diante dessa polarização e da forma como está evoluindo, acho que é ilusório imaginar que a eleição possa acomodar as tensões. Essas tensões são a expressão política de um conflito social, sempre latente nas sociedades modernas urbano-industriais. O conflito tornou-se universalmente mais agudo na era da globalização. No Brasil, foi revigorado pelo avanço do atraso das classes dominantes e de seus seguidores. É isso mesmo, o avanço do atraso. Basta ler as pesquisas e observar com certo distanciamento o que está ocorrendo. Escrevi outro dia que centro-direita e centro-esquerda estão sendo esmagadas pela radicalização. O Lula, por exemplo, está longe de ser um radical. O Lula é um mediador, mas a concentração de votos nele representa um repúdio ao retrocesso social deflagrado pela política econômica adotada a partir de 2015. Eu estive um mês no Nordeste no Norte de Minas, e nessas regiões a votação do Lula vai ser maciça.

Valor: Que polarização é essa?

Belluzzo: Entre os ricos, bem-nascidos, e os pobres que avançavam. Modestamente, mas avançavam. Vou repetir o que disse o bilionário americano Warren Buffett, ainda nos anos 90. "Nós [os ricos] promovemos a luta de classes e estamos ganhando". No mundo desenvolvido do pós-guerra, foi possível mediar esse conflito com o avanço da democracia e a ampliação dos direitos sociais e econômicos. Mas, nas últimas décadas, o discurso do mérito aparece cada vez mais como justificativa para a desigualdade. Sempre reaparece, mas desta vez está reaparecendo de maneira muito aguda.

Valor: Sem considerar a igualdade de oportunidades?

Belluzzo: Ganhei a oportunidade de estudar no colégio São Luís, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), na Faculdade de Filosofia, Letras também da USP. Em uma corrida de mil metros, saí com uma enorme vantagem. Mérito? Essa diferenciação social não se dá apenas pela renda e riqueza, é muito baixo o peso conferido pelos meritocráticos aos valores da igualdade e liberdade. Esses valores do Iluminismo, da Revolução Francesa, do liberalismo político não comovem os que ocupam o poder real no Brasil. Por outro lado, é preciso avaliar como estão se conformando as aspirações das pessoas mais frágeis economicamente. O Valor publicou na semana passada uma pesquisa qualitativa com pessoas das classes C e D.

Valor: Eles querem de volta a vida que tinham na época de prosperidade econômica do governo Lula?

Belluzzo: Isso. Cada vez que falam em populismo eu tenho arrepios. Populismo é uma palavra sem conceito. Ela pretende dizer que os "esclarecidos" - entre aspas - votam de maneira racional, não por interesse próprio. Dizem que os desvalidos e os mais pobres estão atacando o orçamento na defesa de seus interesses. Já, os especialistas, esses não, eles encarnam a racionalidade. Eliminam a contraposição de interesses e vão jogar Lego com o produto potencial e o teto de gastos. Não por acaso, no mundo há uma onda de desconfiança com os ditos especialistas.

Valor: De maneira prática, como vamos cumprir o teto de gastos?

Belluzzo: A única certeza em relação ao teto é que não vai ser cumprido. Agora estamos enroscados na regra de ouro e o governo ensaia uma pedalada. Em condições, digamos, normais, a regra de ouro é apropriada para a execução orçamentária. A coisa piora quando a economia entra em recessão, a renda e o emprego caem e a arrecadação fiscal despenca. A flexibilização da regra de ouro, reivindicada pelo ministro Meirelles, prenunciou as dificuldades do teto de gastos. Eles dizem que há um déficit estrutural, mas escondem o caráter marcadamente cíclico do déficit primário projetado. Ele foi produzido pelo desastre da política econômica de 2015. O sistema tributário, fora a fuga para os paraísos fiscais, é regressivo e, por isso, muito sensível às flutuações da economia. Há que considerar o problema de financiamento do gasto e o crescimento do dispêndio com juros que afeta o déficit nominal. Os menos favorecidos pagam serviços públicos para eles mesmos, enquanto detentores da riqueza financeira - líquida e segura - não só abocanham o fluxo de pagamento de juros pelo Estado como se beneficiam do aumento de seu estoque de riqueza com a "rolagem" da dívida. Os menos favorecidos dependem muito de serviços públicos. A estrutura demográfica está envelhecendo. O progresso tecnológico e a racionalização redutora de custos afetam o mercado de trabalho. Nessas condições, seria possível manter o financiamento da Previdência simplesmente no sistema de repartição simples criado no final do século XIX pelo [Otto Von] Bismarck? A reforma brasileira deveria contemplar a disparidade entre o setor privado e o setor público, considerar a peculiaridade da aposentadoria dos trabalhadores do campo, mas também rediscutir formas de financiamento. A reforma trabalhista não vai ajudar. Vai contribuir para a queda das receitas da Previdência, como ocorreu em muitos países.

Valor: Lula disputará a eleição?

Belluzzo: O maior risco para o clima das eleições é não deixar o Lula concorrer. Isso vai aumentar a virulência do debate nas redes sociais e nas ruas.

Valor: Se ele ganhar não haverá também virulência?

Belluzzo: Haverá. O clima não é o de 2002/2006. Há um clima social típico de sociedade dilacerada que se traduz nas redes sociais, que não ajudam em nada. As redes não são exatamente a ágora ateniense. Como [Marshall] McLuhan já disse, o meio é a mensagem. Eu não tenho Facebook nem nada, só WhatsApp. Olho as redes e confirmo minha convicção: Thomas Hobbes é o cara. O homem hobbesiano entrega-se ao isolamento e se transforma em um ser antissocial e, portanto, inumano. Na outra face do descolamento dos especialistas estão inscritas as certezas de 140 caracteres.

Valor: Esse discurso do Lula mais à esquerda é pra valer? O Lula desta eleição é outro, ressentido?

Belluzzo: Lula já disse que se eleito, vai procurar os adversários. Esse é o Lula. O grande obstáculo é que as opiniões rasas do mercado se tornaram hegemônicas e o transformaram em um inimigo público. Eu sei como eles pensam: só naquilo que interessa a eles, em como vai ficar a curva de juros, se o Banco Central vai continuar operando "swaps" ou não vai. Não tem nenhuma profundidade, é uma coisa rasa e ao mesmo tempo sem nenhuma visão de longo prazo. Quanto à discussão a respeito do desenvolvimento, esquece. Não é maldade, é da natureza deles, se é que o homem tem natureza. O Lula, se ganhar a eleição, vai tentar mediar, é o estilo dele.

Valor: Com a revolução tecnológica, há quem diga que a indústria terá menos peso. Não seria possível se preocupar menos com o câmbio?

Belluzzo: Ah, então vamos nos dedicar à produção de bananas? Estamos na era da hiperindustrialização e isso agrava a situação do Brasil. Os métodos da indústria invadiram os serviços e o agronegócio. O câmbio valorizado já fez o papel dele, negativo. Na situação atual é preciso olhar para nossa posição relativa. Falo da China. Eles estão léguas de distância do Brasil, fizeram tudo ao revés do que nós fizemos. A reindustrialização, portanto, não é uma coisa banal, é algo muito mais complexo do que a dos anos 30 aos 70 do século passado. Vai exigir uma estratégia muito mais abrangente. Temos espaços, por exemplo, na infraestrutura, se tivermos competência para montar projetos eficientes com articulação privada e até mesmo com a intensificação das operações com os chineses. É preciso olhar, do ponto de vista internacional, quem tem mais chance de virar seu parceiro, quem está na liderança. Aí dizem, mas a economia americana é forte. Ninguém está dizendo que é fraca, mas eles não estão na liderança.

Valor: E qual o plano?

Belluzzo: O que me preocupa é que estamos vivendo uma transformação global. A articulação entre as economias é muito intensa, só que o padrão de articulação é outro. Por exemplo, na década de 50 havia um movimento das empresas europeias e depois das americanas em direção aos países da periferia, que tinham um mercado interno com chance de se expandir mais rapidamente. Hoje, a situação é outra, tem um grau de concentração e centralização das empresas muito maior. O market share das dez maiores empresas em quase todos os setores oscila entre 50% e 100%. A monopolização é brutal. As cadeias de valor procuram países com maiores oportunidades de avançar tecnologicamente e aí a China, que estava atrás, agora está 30 anos na nossa frente. Precisaríamos ter uma política nacional que levasse em conta o grau de desindustrialização e as nossas vantagens. No agronegócio essas vantagens são absolutas, e há oportunidades na infraestrutura.

Valor: Como financiar isso?

Belluzzo: Não vai ser com a TLP, que é uma das maiores cretinices que já inventaram. Acham que se o BNDES sair, o setor privado vai financiar com prazos e taxas reais razoáveis um empreendimento de 30 anos? Não, porque aí mata a taxa interna de retorno do empreendimento. Os chineses financiaram a infraestrutura deles, os trens de alta velocidade, os sistemas de metrô, a urbanização acelerada; foi com gasto público do governo central? Não. Usaram os bancos públicos, que financiaram, com taxas baixas, as empresas estatais, que demandam bens e serviços das empresas privadas. É um gasto parafiscal. Estado e mercado não se opõem, mas se complementam. É difícil imaginar que no Brasil de hoje possa ocorrer coisa parecida.

Valor: As questões conjunturais estão dominando o debate?

Belluzzo: Estamos aprisionados nesse debate de curto prazo. É aflitivo. Para os economistas do mercado as estruturas voltadas para o desenvolvimento não existem, porque o mercado é o mercado em qualquer lugar. Estão apoiados em suposições de que o mercado é eficiente, não há o que fazer, não há por que gastar os neurônios, já escassos, em uma estratégia de reconstrução estrutural. Isso lembra uma série de televisão dos anos 60, Papai [o mercado] sabe-tudo. Valor: O senhor vê uma chance de um caminho diferente, pensando mais nas questões estruturais? Belluzzo: No clima intelectual, digamos, ideológico que prevalece hoje eu não vejo nenhuma chance. Valor: E com eleição, algum candidato pode ir em outra direção? Belluzzo: O pré-candidato com preocupações estruturais mais parecidas com essas é o Ciro Gomes.

Valor: Alguma chance de Lula e Ciro se unirem?

Belluzzo: Não sei, porque o Ciro tem lá suas idiossincrasias. É inteligentíssimo e bem preparado, tem experiência administrativa bemsucedida. Mas sempre observo no Brasil essa tendência: forças que deveriam se aproximar, se afastam.

Valor: Como o Fernando Henrique e o Lula?

Belluzzo: Você tocou numa questão importante. Uma aproximação entre os dois poderia ter evitado que o país chegasse onde chegou. Ainda em 2015, em uma inciativa mais ingênua do que pretensiosa, José Luis Portella e eu tentamos uma reaproximação. Mas as respectivas amarras partidárias eram muito mais fortes do que as boas intenções que, dizem, recheiam os infernos.

Valor: O senhor falou do Lula conciliador. O Lula de hoje convidaria o Meirelles para ministro?

Belluzzo: Ele não vai escolher alguém que seja incapaz de dialogar com empresariado, mas vai pegar o país numa situação muito pior. Não há solução simples nem simplória. Essa bucha não é para o Meirelles.

Valor: E o que fazer com as contas públicas? Não é preciso controlar a expansão do déficit?

Belluzzo: A macroeconomia, que não segue modelos idiotas, ensina o seguinte: você não vai ter solução para a questão fiscal se a economia não voltar a crescer. Sem que a economia comece a gerar renda e emprego e que comecem a pagar impostos, agora só se faz um Refis atrás do outro. Não adianta ficar discutindo se a economia vai crescer 0,5% ou 1%; precisa resolver o problema das pessoas de carne e osso, o desemprego, ou vai para uma solução radical. Em uma sociedade fortemente urbanizada, a miséria é muito dolorosa. Veja o aumento da criminalidade. Alguém acha que resolve a criminalidade só com a polícia? É preciso dar segurança econômica para as pessoas, senão elas resvalam para outro tipo de atividade. Mas uma fração graúda da opinião dominante não tem essa consciência e isso é perigoso. Vai na direção de uma solução autoritária que "resolva o problema".

Valor: O que seria? Um Bolsonaro, uma solução militar?

Belluzzo: Essas coisas não acontecem de repente, elas vão sendo construídas. Eu não descarto a possibilidade de surgir uma solução centralizadora autoritária. O fato de as pessoas não terem consciência clara é só um agravante. Mas não vou fazer esse tipo de antecipação, estou dizendo é que estamos caminhando para uma situação de anomia social. A reforma trabalhista por exemplo vai, inexoravelmente, aumentar a precarização do trabalho e o trabalho temporário. Vai aumentar o emprego? Precário, temporário, em condições de sofrimento pessoal e social. Não vejo nenhuma resposta, vejo simplesmente conformismo.

Valor: Porque não houve a mesma resistência à reforma trabalhista como há na Previdência?

Belluzzo: Boa pergunta. Não sei. Aqueles que são os maiores beneficiários se opõem com mais força. Construímos um sistema de castas, em que prevalece "o senhor sabe com quem está falando"? O Brasil ficou fora de qualquer concepção de Estado de bem-estar até a Constituição de 1988. Os europeus responderam a isso no pós-guerra, após uma catástrofe humana, a segunda guerra e a grande depressão. Conservadores como Adenauer, De Gasperi, De Gaulle, para não falar do progressista aristocrático Roosevelt, entenderam que era preciso um sistema de proteção para os mais frágeis diante das ineficiências do mercado.

Valor: Há mudanças importantes em curso no sistema político-econômico após a crise de 2007?

Belluzzo: O Valor publicou um excelente artigo de André Lara Rezende sobre as metamorfoses da riqueza no "Eu& Fim de Semana", o Cesar Benjamim escreveu sobre o déficit estratégico brasileiro na Ilustríssima da "Folha de S. Paulo". Recomendo a leitura. Nos interstícios da sabedoria mecânica e das certezas de 140 caracteres das redes sociais ainda há espaço para a inteligência. Veja aqui [ele mostra um artigo de Wolfgang Streeck traduzido pela revista "piauí"]: "Que esperar agora? A desmontagem da máquina clintoniana por Trump, o Brexit, (...), tudo isso inaugura uma nova fase na crise do sistema estatal capitalista transformado pela revolução neoliberal. Para caracterizar essa fase, recorro ao conceito de "interregno" de Antonio Gramsci: um período de duração indeterminada em que a velha ordem já se rompeu, mas a nova ainda não pode surgir. (...) "A cara da nova ordem ainda por criar não se sabe qual será, e essa incerteza é inerente ao interregno. Até que essa nova ordem surja, segundo Gramsci, podem ocorrer "fenômenos patológicos dos tipos mais diversos".

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